domingo, 21 de novembro de 2010

Políticos derrotados nas eleições se beneficiam com lentidão na Justiça

Derrotados nas urnas nas eleições de outubro, 54 deputados federais de 18 estados terão pelo menos um consolo: a chance de ver processos criminais em que são réus tramitarem com ainda mais lentidão na Justiça. Graças ao chamado foro privilegiado a que têm direito por ocupar cadeiras na Câmara dos Deputados, ele respondem hoje a ações no Supremo Tribunal Federal (STF). Sem o mandato, os processos passam a correr nas instâncias inferiores em seus respectivos estados. O julgamento local pode até ser mais rápido- até porque a história do STF mostra que o órgão raramente julga processos de parlamentares -, mas não dá para negar que o vaivém dos processos contribui para que a sentença demore ainda mais.

Concorre para isso o fato de que novos juízes - que muitas vezes não têm conhecimento do processo - terão que ficar a par de todos os atos processuais tomados no Supremo, avaliar se são necessários novas diligências ou provas e depoimentos. Em relação aos quase ex-deputados, os magistrados estaduais estarão diante de 20 ações por infrações à legislação eleitoral, 11 por crimes de responsabilidade, 10 de improbidade administrativa e nove relacionadas ao desrespeito à Lei das Licitações. Há ainda casos de perda de mandato, investigação penal, prestação de contas irregular, corrupção, peculato e crimes contra a honra (calúnia, injúria ou difamação).

"foro privilegiado não permite que se realize a justiça no Brasil. Ele não faz sentido e impede o julgamento na prática'', diz o presidente da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis), Bruno Terra Dias, que, pessoalmente, diz ser contrário à regra específica para autoridades. O magistrado lembra que, ao receber um processo, o juiz ainda pode se deparar com o constrangimento, por exemplo, de verificar alguma nulidade que não foi vista no STF. ''É complicado, porque o juiz que recebe um processo que vem de outro lugar, com provas que não foi ele que colheu, pode entender que não há elementos suficientes para formar a convicção dele. Isso só faz com que o processo demore ainda mais'', observa.

Um exemplo claro de vaivém processual diz respeito a uma das ações penais por crime de responsabilidade respondida pelo deputado federal mineiro Jairo Ataíde (DEM-MG). Prefeito de Montes Claros entre 1997 e 2004, ele é acusado de ter feito contratações sem concurso público para o município. A ação foi recebida pela Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais em novembro de 2004, tribunal encarregado de julgar ações relacionadas a prefeitos.

Encerrado o mandato, o TJ encaminhou a ação para a Justiça em Montes Claros. Diplomado deputado federal em 2007, o processo saiu da cidade mineira e foi encaminhado para o Supremo. Suplente, deixou a Câmara em 2008, quando o Ministério Público Federal requereu o envio ''novamente ''do processo para Montes Claros, pois Jairo Ataíde havia perdido o foro privilegiado. No ano seguinte, no entanto, assumiu definitivamente a cadeira de deputado federal porque Custódio Mattos (PSDB), eleito prefeito de Juiz de Fora, renunciou ao mandato. Moral da história: novamente o processo seguiu para o STF.

Atraso

''Embora os atos processuais sejam aproveitados, só o vaivém das ações já representa atraso. E até o juiz da primeira instância se inteirar de tudo que foi feito para então dar andamento, é mais um atraso'', lamenta o promotor Edson Resende, coordenador das promotorias eleitorais de Minas Gerais. Embora a legislação brasileira não determine prazo para que os ministros remetam os processos de ex-parlamentares para a Justiça competente, o promotor diz que costuma ser feito em tempo hábil. Até porque, com a informatização do Judiciário, ficou tudo mais rápido - ou menos lento.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB-MG), Luiz Cláudio Chaves, defende uma rediscussão da questão do foro privilegiado. Para ele, a regra deveria ser adotada apenas se a ação for motivada por um ato praticado pelo parlamentar no exercício de sua função. Nesse caso, mesmo com a perda do mandato, o Supremo continuaria a ser o tribunal encarregado no julgamento. ''Se o parlamentar praticou um crime comum e tem o foro qualificado, o deslocamento do processo é em relação à pessoa, e não à sua função'', justifica.

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